Gostou do artigo? Compartilhe!

VERTIGEM POSICIONAL PAROXÍSTICA BENIGNA (V.P.P.B.) NO IDOSO

A+ A- Alterar tamanho da letra
Avalie este artigo

         A VPPB é a causa mais comum de vertigem no adulto (e no idoso).

         Seu diagnóstico e tratamento são inteiramente realizados com manobras à beira do leito, dispensando-se exames complementares e medicações. É uma das poucas doenças não infecciosas que temos condições de CURAR com tratamento clínico.

         Apesar de ter sido descrita por Bárány em 1921, e bem caracterizada por Dix e Halpike em 1952, sua fisiopatologia só foi estabelecida em 1992; de forma que mesmo os médicos formados neste milênio não receberam treinamento adequado sobre esta doença.

EPIDEMIOLOGIA A incidência de VPPB na população em geral é estimada em 10-100 casos novos/100.000/ano. Entretanto, o diagnóstico é feito em cerca de 17% dos pacientes em clínicas especializadas em tontura.

No Ambulatório Breve do Serviço de Geriatria do HCFMUSP no segundo semestre de 2000, dos 299 idosos que buscaram atendimento geriátrico, 43 apresentavam queixa de tontura, sendo 16 com tontura rotatória (vertigem), e 6 com diagnóstico de VPPB. Nesta série, portanto,  um terço das vertigens eram causadas por VPPB, e 2.0% de todos os idosos buscando atendimento geriátrico apresentavam o diagnóstico!

QUADRO CLÍNICO Classicamente, o paciente refere tontura ou vertigem em crises de curta duração (menos de 1 minuto), causada por movimentos da cabeça. Os movimentos mais comuns são olhar para cima, se abaixar e rolar na cama. O quadro tem início súbito, e as primeiras crises costumam ser acompanhadas de náuseas e vômitos, quedas, e grande incapacitação. Com a evolução, os movimentos são instintivamente evitados, e há habituação; havendo diminuição progressiva dos sintomas. Sem tratamento, o quadro geralmente é auto-limitado (provavelmente por habituação neurológica, mesmo com os otólitos presentes), com duração de semanas a mais de 1 ano. Grande limitação dos movimentos da cabeça ou uso de anti-vertiginosos podem levar à perpetuação da doença.

Entretanto, o diagnóstico muitas vezes não é fácil. Há uma latência de 1 a 5 segundos entre o movimento e a vertigem, de forma que alguns pacientes não percebem a associação entre os dois. A presença de tontura tipo atordoamento após o quadro vertiginoso pode levar o paciente a descrever a duração da vertigem como de muitos minutos. A associação (muito comum) com outros tipos de tontura pode levar à descrição da VPPB como a piora de uma tontura de base, e descrições de “tenho tontura o dia todo” podem encobrir a presença associada da VPPB. Finalmente, a descrição de tontura ao se levantar, instintivamente atribuída à hipotensão postural, pode ser manifestação de VPPB.

Este autor encoraja a se suspeitar de VPPB em qualquer tontura ou vertigem em crises ou com crises de exarcebação, com duração de menos de meia hora, mesmo na vigência de outra condição ou sintoma que poderia explicar estas crises, dada a grande prevalência da VPPB, e acima de tudo, a grande perspectiva de diagnóstico e cura.

FISIOPATOLOGIA Deve-se à presença de partículas de carbonato de cálcio (otólitos) flutuando na endolinfa do canal semicircular posterior, que se desprendem da mácula do utrículo por razões desconhecidas, e se depositam no CSP por ação da gravidade e movimentos da cabeça (FIGURA 1). Cerca de um quinto dos pacientes referem antecedente de Trauma Craniano, e 10-15% neuronite vestibular prévia; sendo as únicas causas (ou fatores de risco) conhecidos.

Quando o canal semicircular posterior é ativado pelos movimentos já descritos, a presença dos otólitos aparentemente leva a um sinal disfuncional que causa a vertigem.

DIAGNÓSTICO Usa-se a manobra de Dix-Hallpike (FIGURA 2).

Posiciona-se o paciente previamente na maca sentado, com a cabeça virada 45 graus para o lado a ser testado, e com os pés voltados à cabeceira da maca, certificando-se que ao se deitar sua cabeça e porção superior dos ombros saiam para fora da maca. É útil colocar a escada da maca na posição aproximada onde se espera que o paciente sente, e não no meio dela, evitando deslocamentos posteriores.

A manobra propriamente dita é deitar o paciente rapidamente, até que sua cabeça penda para fora da maca, inclinada 30 graus abaixo do plano da cama, e com a cabeça virada 45 graus para o lado do labirinto testado. É vital explicar para o paciente que se trata de “um teste para labirintite”, que sua cabeça será pendida para fora da cama, e que a manobra poderá resultar em vertigem. O paciente deve ser orientado a manter os OLHOS ABERTOS uma vez na posição final, e “olhar longe” (não fixar objeto algum), e o examinador deve prestar atenção para o surgimento de nistagmo.

A manobra é positiva quando o paciente descreve tontura (que pode ser rotatória ou não), iniciada após uma LATÊNCIA de um a cinco segundos da manobra (tontura imediatamente após a manobra deve ser avaliada melhor), e que tenha uma DURAÇÃO de vinte a quarenta segundos. A presença de nistagmo é necessária para o diagnóstico mas não para a suspeita diagnóstica (leia abaixo). Se a tontura foi “contínua”, mas foi bastante exacerbada nos tempos descritos, recomenda-se uma prova terapêutica.

IMPORTANTE: se a doença tem manifestação intensa, o paciente pode referir tontura e ter nistagmo DO OUTRO LADO TAMBÉM, porém estes serão de muito menor intensidade do que do lado afetado. Existe VPPB bilateral, mas é rara. O tratamento do lado mais intenso leva quase sempre à negativação da manobra dos dois lados.

A descrição clássica de Dix e Hallpike inclui a presença de NISTAGMO para cima e rotatório durante a sensação vertiginosa. Se presente, a anotação das características do nistagmo será importante no seguimento do tratamento, para futura comparação.

Alguns autores insistem na presença do Nistagmo para diagnóstico “de certeza” da VPPB. Nos Ambulatórios Breve e de Tontura do Serviço de Geriatria do HCFMUSP foram diagnosticados e tratados com sucesso 14 casos de VPPB em 2000. Apenas metade tinham nistagmo. A metade sem nistagmo apresentou quadro clínico, tontura nos tempos corretos à manobra de Dix-Hallpike, e remissão da tontura à manobra e dos sintomas com o tratamento. Este autor considera purismo não considerá-los VPPB (ou pelo menos “suspeita diagnóstica”), e um crime não oferecê-los tratamento (ou prova terapêutica) dada a sua simplicidade e eficácia. A ausência do nistagmo pode ser explicada pela não utilização de óculos de Frenzel que evitam a fixação, ou pela idade dos pacientes.

A descrição clássica também exige a repetição da manobra várias vezes para se verificar a sua habituação (desaparecimento ou diminuição acentuada do sintoma/nistagmo). Isto NÃO É MAIS RECOMENDADO, pois a manobra propele otólitos do utrículo para o canal semicircular posterior, e pode prolongar o tratamento.

IMPORTANTE: o paciente pode ter tontura e nistagmo (invertido) ao SENTAR-SE, pois há ativação inversa do canal semicircular posterior, portanto deve ser amparado.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Com a manobra de Dix-Hallpike positiva e com a temporização esperada, há poucos diagnósticos além da VPPB.

Tontura Cervical e Vertigem Posicional Central são os mais importantes. A vertigem e/ou nistagmo se iniciam imediatamente após a posição de cabeça pendente, e teoricamente duram todo o tempo da posição. São causados, respectivamente, por sinais aferentes inapropriados da coluna cervical; e por lesões no tronco cerebral. É importante notar que a tontura da VPPB é causada pelo MOVIMENTO da manobra de Dix-Hallpike, e não pela posição final. Nestes casos é o contrário.

Há ainda a VPPB de Canal Horizontal. Esta doença é equivalente à VPPB clássica, mas com otólitos depositados no canal semicircular lateral (horizontal). O número de casos descritos na literatura cresce a cada dia. O diagnóstico diferencial perde parte de sua importância devido ao fato que muitas vezes a VPPB de canal horizontal tem manobra de Dix-Hallpike positiva e responde à manobra de Epley, além do que há associação entre as duas. O diagnóstico se faz colocando o paciente deitado, e rodando rapidamente sua cabeça para o lado a ser testado. A manobra é positiva dos dois lados, mais intensa do lado afetado. O nistagmo se inverte testando-se o lado são. A manobra de tratamento é parecida com a de Epley (leia abaixo) mas roda-se a cabeça do paciente 270 ou 360 graus (a volta completa). A repetição de três manobras por intervenção também é indicada aqui. É comum o aparecimento de VPPB clássica após o tratamento, pela migração dos otólitos.

Outros diagnósticos: Insuficiência Vértebro-Basilar e Fístula Perilinfática.

TRATAMENTO Existem várias manobras para o tratamento da VPPB. A mais aceita e utilizada é a manobra de Epley, por ter substrato fisiopatológico. Ela é chamada Manobra de Reposição Canalicular, por perfazer a rotação equivalente ao canal semicircular posterior, jogando os otólitos de volta ao utrículo.

Pacientes com doença cervical avançada ou com obstrução carotídea e/ou vértebro-basilar importantes têm contra-indicação relativa para a realização da manobra.

A manobra de Epley (FIGURA 3) parte da posição de cabeça pendente obtida após a manobra de Dix-Hallpike, com a cabeça virada para o lado afetado e a ser tratado. Deve-se esperar a cessação da vertigem/nistagmo antes de começar. Alguns autores sugerem que o paciente deve ter permanecido sentado por 10 minutos antes da manobra, para o assentamento dos otólitos.

A manobra consiste em rodar a cabeça do paciente lentamente para o outro lado (alguns autores falam em 1 minuto para a rotação total), perfazendo 225 graus, até o nariz do paciente apontar para o chão. O paciente precisará rodar parcialmente o corpo, pois o pescoço sozinho não permite toda a rotação, por isso certifique-se que há espaço na maca para a rotação para aquele lado (o paciente deve estar deitado mais próximo da outra borda da maca, oposta à direção da rotação) e peça para o acompanhante ficar ao lado do paciente para auxiliá-lo no movimento.

Após a rotação, deixa-se o paciente com o nariz apontando para o chão por 10 a 15 segundos, e em seguida senta-se o paciente, mantendo sua cabeça virada para o lado. Uma vez sentado, roda-se a cabeça para a frente e inclina-se o queixo para baixo 20 graus, e aguarda-se um pouco. É comum o paciente sentir tontura durante e/ou após a manobra.

Alguns autores sugerem uma nova realização da manobra de Dix-Hallpike para se verificar o resultado, e a repetição da manobra de Epley se ainda positiva. Entretanto, isto não é recomendável pois a manobra de Dix-Hallpike joga os otólitos de volta ao canal semicircular posterior. Considerando-se finalmente que alguns autores descreveram a necessidade de duas ou até três manobras na mesma sessão para a negativação do Dix-Hallpike (numa minoria dos casos), uma recomendação apaziguadora seria a realização de duas ou três manobras de Epley para todos os pacientes, seguidas, na mesma sessão. É importante notar que ao se realizar pela segunda ou terceira vez NÃO se deve realizar o Dix-Hallpike, mas sim deitar o paciente MUITO lentamente até a posição de cabeça pendente, e após a cessação de eventual vertigem/nistagmo executar-se o Epley. Se na descida prescedendo a terceira manobra o paciente ainda apresentar vertigem/nistagmo, a execução de mais manobras pode estar indicada.

IMPORTANTE: após a(s) manobra(s) de Epley, o paciente deve ser orientado para evitar movimentos bruscos da cabeça por 48 horas, especialmente angular a cabeça para cima e para baixo e deitar-se ou levantar-se, e se possível não se deitar de costas ou para o lado afetado neste período, preferindo deitar-se de bruços e com a orelha do lado afetado para cima. Desta forma, evita-se o retorno dos otólitos removidos. Espera-se que após 48 horas estes já tenham sido removidos pelo fluxo endolinfático, e após este período o paciente deve ser estimulado a retornar às atividades habituais, de forma a relatar no retorno a persistência ou não do sintoma.

A reavaliação pode ser após 72 horas, embora alguns advoguem uma semana. Testa-se novamente o paciente com a manobra de Dix-Hallpike, e se positiva, repete-se o tratamento. Espera-se a resolução com uma a quatro intervenções (com três Epleys cada).

PROGNÓSTICO A remissão dos sintomas e a negativação do Dix-Hallpike é obtida, segundo a literatura, em 44-89% dos casos com uma única intervenção. Isto aumenta para até 100% com mais de uma sessão. No Serviço de Geriatria do HCFMUSP, 14 pacientes tratados no ano de 2000 melhoraram 100% com até 4 intervenções (3 manobras de Epley em cada), sendo que metade teve total remissão com apenas uma.

A recorrência é relativamente alta, estimada em 15% ao ano. Deve-se orientar o paciente a procurar novamente o médico na recorrência dos sintomas.

É importante notar que mesmo após o tratamento da VPPB, muitos pacientes permanecerão com a queixa de tontura, de outras etiologias. A presença da VPPB por meses leva à limitação das atividades, o que pode levar a uma tontura tipo desequilíbrio, devido ao enfraquecimento da musculatura postural. Pacientes com vertigem podem passar a se queixar de tontura tipo atordoamento, que pode restar como uma “sequela” da VPPB após seu tratamento. Advoga-se nestes casos, além da investigação e diagnóstico de outras causas de tontura, a reabilitação vestibular – exercícios de estimulação labiríntica que visam a habituação e reestruturação das vias neurológicas vestibulares; e o treino de marcha com fortalecimento de musculatura postural.

Em casos leves de tontura tipo desequilíbrio e/ou atordoamento que restem como “sequela” após o tratamento da VPPB, pode bastar a orientação de caminhadas bastante frequentes, preferencialmente em terreno irregular (com acompanhante se necessário); e o retorno às atividades habituais de antes da doença, com atenção especial para o retorno aos movimentos de cabeça que o paciente precisava evitar devido à VPPB.

 

BIBLIOGRAFIA

1. Furman JM Cass SP “Benign Paroxysmal Positional Vertigo” NEJM Nov 18 1999   341: 1590-1596

2. Herdman SJ “Treatment of Benign Paroxysmal Positional Vertigo” Physical Therapy Vol 70 n.6 June 1990

3. Appiani GC Gagliardi M Urbani L Lucertini M “The Epley maneuver for the treatment of Benign Paroxysmal Positional Vertigo” Eur Arch Otorrhinolaringol (1996)  253: 31-34

4. Fife TD “Recognition and management of Horinzontal Canal BPV” Am J Otol 19(3): 345-51 1998 May

5. Dados não publicados do Ambulatório Breve e Ambulatório de Tonturas do Serviço de Geriatria HCFMUSP, 2000

6. Derebery MJ “The Diagnosis and Treatment of Dizziness” Med Clin North America Vol 83(1) (“Otolaryngology for the Internist”): 163-177 

 

Dr. Antonio Carlos Pereira Barretto Filho

Médico Geriatra com Clínica (consultório) em Santana, na Zona Norte de São Paulo, atendimento na área de Geriatria e Gerontologia


Médico formado pela USP em 1995

Residência em Clínica Médica e Geriatria pelo Hospital das Clínicas da FMUSP

Médico Assistente com cargo de Supervisor Geral dos Ambulatórios no Serviço de  Geriatria do Hospital das Clínicas da FMUSP

Leia currículo completo, veja fotos da clínica e outras informações em www.antonio-barretto-geriatra.k6.com.br

www.antonio-barretto-geriatra.k6.com.br

Autor

Dr Antonio Carlos Pereira Barretto Filho

Dr Antonio Carlos Pereira Barretto Filho

Geriatra

Especialização em Residência em Geriatria no(a) Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.